Leia este testemunho!!! AOS JOSÉS E ÀS MARIAS.
Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo, trabalhadores rurais, agricultores, extrativistas, ambientalistas, sindicalistas, assentados da reforma agrária de uma área da Amazônia Oriental foram brutalmente assassinados na convergência das ações do Estado brasileiro com a frente de expansão capitalista na Amazônia. A força da experiência foi extinta pela força opressora do poder do Estado e do Capital. Restou-nos, uma vez mais, a indignação diante da injustiça, esta, que forma e transforma o sentido da luta política. A comoção foi geral quando todos que estivemos juntos manifestamos nossa indignação, reavivamos o sentido da luta e, inconformadamente, levamos os corpos de Zé Cláudio e Dona Maria para o cemitério da cidade de Marabá. Éramos muitos os rostos sombrios, apesar do lindo sol da alvorada que nasceu mais quente naquela manhã aquecido pelo protesto feito com o fogo ateado aos pneus e incendiados sobre os trilhos do dragão de ferro da Empresa VALE. Éramos muitos os rostos que denunciavam as paixões vividas na tensão entre a dor e o prazer, entre o sofrimento e a felicidade. Éramos afinal mulheres, crianças, homens, velhos e jovens, negros, índios, não-índios, não-negros (brancos?). Éramos os com/contra aglutinados pelas experiências comuns, herdadas ou partilhadas. Éramos aqueles que sentimos e nos articulamos em torno de interesses comuns: a dignidade, a reforma agrária, a defesa da floresta, o direito ao bem viver de todos os povos em seus territórios de vida. E contra os interesses de nossos opositores que, pelo uso e abuso do poder ganancioso, querem imperar seus domínios sobre tudo e todos na terra. Éramos esses múltiplos rostos que ao longo do cortejo-marcha fomos lentamente formando-nos e transformando-nos em apenas dois rostos, assim identificados como, o de José e o de Maria. Por que das vozes entoadas pelo microfone, animando o espírito da marcha-cortejo, não mais ouvíamos chamar Zé Cláudio e Dona Maria. Os corpos levados por nós, aos poucos, pelo saber da experiência, passaram a ser chamados de José e Maria. Eles perderam as suas individualidades, mas ganharam na necessária generalidade elaborada pela expressão da luta camponesa. Durante as seis horas de duração do cortejo, a experiência vivida foi lentamente e plenamente elaborada pelos nossos sentidos num misto de romaria de fé, procissão pela paz e preparação para a luta. Sendo todos Josés e Marias, o sentido da morte foi transfigurado para o plano da ressurreição: “Mataram mais um irmão, mataram mais um irmão. Mas eles ressuscitarão, ressuscitarão. E o povo não esquecerá, não esquecerá”. A memória, neste momento, passou dos sentidos mais evidentes, da visão e da audição, para ser encarnada na pele, pela dor e pelo prazer de estarmos juntos em luto/a.
Testemunho de Eliana Ribeiro da Silva. Marabá, 31 de maio de 2011.